A pequena São Luiz do Anauá, cidade do interior de Roraima que mais recebeu emendas parlamentares por habitante nos últimos cinco anos, vive hoje uma situação de colapso financeiro. Após decretar calamidade financeira em julho, a nova gestão escancarou o que seria um esquema sistemático de desperdício e possível desvio de verbas públicas.
Com apenas 7.315 habitantes, o município recebeu R$ 126 milhões em emendas parlamentares entre janeiro de 2020 e maio de 2025 — o equivalente a R$ 17,4 mil por morador, muito acima da média nacional, que é de R$ 525 per capita. Mesmo assim, obras anunciadas e já pagas não foram concluídas, e a cidade não tem dinheiro para manter os serviços básicos.
A gestão do atual prefeito Elias da Silva (PP), conhecido como Chicão, denuncia que a administração anterior, comandada por James Batista (Solidariedade), deixou um cenário de caos. Pelo menos R$ 12,6 milhões teriam sido pagos por obras públicas não concluídas ou sequer iniciadas.
Relação de obras com indícios de fraude
A lista de empreendimentos que estão paralisados ou nunca saíram do papel é extensa. A prefeitura aponta pelo menos quatro grandes projetos com pagamentos milionários e ausência de entrega:
- Parque da Vaquejada: orçado em R$ 6,6 milhões, foi pago à empresa responsável, mas nenhuma estrutura foi construída. No local previsto, apenas mato e terra batida.
- Praça dos Buritis: o projeto previa uma praça moderna com áreas de lazer e iluminação, ao custo de R$ 3 milhões. A única parte executada foi uma terraplanagem parcial e bases de concreto.
- Portal da Cidade: obra mais simbólica do suposto desperdício, o portal foi parcialmente erguido ao custo de R$ 1,8 milhão, mas não é acessível por falta de pavimentação e ponte.
- Casas populares: anunciadas como solução habitacional para dezenas de famílias, as unidades nunca foram entregues, apesar de R$ 1,2 milhão já terem sido desembolsados.
Além disso, a prefeitura afirma que identificou o desvio de R$ 680 mil em empréstimos consignados. O valor foi descontado diretamente dos salários dos servidores municipais, mas não foi repassado aos bancos, deixando os funcionários inadimplentes e com restrições de crédito.
Denúncias encaminhadas aos órgãos de controle
Diante da gravidade das irregularidades, a atual administração enviou documentação e relatórios para a Controladoria-Geral da União (CGU), Tribunal de Contas da União (TCU), Polícia Federal e Ministério Público Federal, solicitando investigação formal e responsabilização dos envolvidos.
“Recebemos um município devastado. As obras estão abandonadas, o dinheiro sumiu e os servidores estão há meses com salários atrasados. É urgente que os órgãos de controle ajam e responsabilizem quem dilapidou os recursos públicos”, declarou o prefeito Chicão.
Relação política entre prefeito e antecessor complica cenário
As denúncias ganham contornos mais complexos quando se observa que o atual prefeito foi vice-prefeito na gestão de James Batista e, posteriormente, assumiu a Secretaria Municipal de Saúde na segunda administração do ex-prefeito. Ambos foram aliados políticos por anos.
Questionado sobre por que não agiu antes, Chicão alega que “não sabia do que ocorria” e que só teve acesso à real situação das contas públicas ao assumir a prefeitura, no início de 2024. Desde então, afirma ter rompido com Batista e iniciado o envio das denúncias aos órgãos fiscalizadores.
“Eu assumi sem recursos em caixa. Estamos com contratos paralisados, convênios travados, e obras que nunca existiram, mas pelas quais o dinheiro já saiu. Não tem como seguir assim. Por isso, decretamos calamidade.”
Crise atinge servidores e população
Enquanto o escândalo cresce, quem sofre diretamente é a população da cidade. Servidores estão com salários atrasados, a coleta de lixo funciona de forma intermitente, postos de saúde operam com insumos limitados e nenhuma das obras anunciadas nos últimos anos está em pleno funcionamento.
A atual gestão tenta negociar com fornecedores e bancos, além de buscar apoio emergencial do governo estadual. O decreto de calamidade financeira, segundo o prefeito, é a única forma de abrir espaço para renegociações e evitar o colapso completo da administração.
Pressão política por investigações mais amplas
O caso de São Luiz do Anauá gerou repercussão na Assembleia Legislativa de Roraima e entre parlamentares federais. O deputado estadual Gabriel Picanço (Republicanos), que é natural do município, vem cobrando atuação mais firme dos órgãos federais.
“Isso precisa de investigação federal urgente. São milhões que desapareceram. A cidade que mais recebeu dinheiro virou um buraco de dívidas. Essa história não pode ser esquecida”, afirmou.
Com informações de Tiago Mali/UOL